A “Força do Querer”: Representatividade no horário nobre?

outubro 17, 2017

Foto: Vix

Por Daniele Barros

É inegável que grandes emissoras como a Rede Globo não jogam para perder e, como já dizia nosso herói Chapolin, “todos os movimentos são friamente calculados” no que diz respeito à sua programação e conteúdo. Mas, não podemos negar que “ A força do Querer”, atual novela das 21 horas prestes a chegar ao fim, nos surpreendeu e muito ao abordar com delicadeza e cuidado os dilemas de uma pessoa transgênera  na nossa sociedade.  

Vivemos um novo tempo, onde as minorias começaram a entender seus direitos e deveres e a lutarem por eles. Contudo, em contra-partida, surgiu também uma onda conservadora muitas vezes ligada à grupos religiosos e políticos que ainda resiste agressivamente a fim de manter a sociedade retrógrada e segregatória que tanto lutamos para mudar. No meio disso tudo a maior emissora do país, que tem suas produções comercializadas e distribuídas em várias outras emissoras pelo mundo, opta por levar ao grande público e em horário nobre a causa de uma minoria muitas das vezes desrespeitada e mal compreendida. Sim,  esta iniciativa é digna de aplauso, mesmo que a  atitude faça parte de uma estratégia mercadológica.

Para quem não assistiu a trama em “ A Força do Querer”, Ivana (personagem de Carol Duarte) é filha de pais ricos e bem sucedidos que depois de muitos conflitos internos se descobre transgênera e, a partir daí, passa a sofrer pela não aceitação de sua família, sobretudo de sua mãe. Mas Ivana não é a única  personagem LGBT da trama que traz também Nonato (interpretado por Silvero Pereira), motorista da família de Ivana que à noite vira Elis Miranda, travesti que faz shows performáticos.

Glória Perez: A autora sempre busca abordar temas tabu e que provoquem uma consciência social
        
Mas, não basta haver representatividade. Se está vier cheia de chavões e antigos estigmas,  ao invés de quebrar tabus,  só ajuda a aumentar o preconceito e a discriminação. De que adianta, por exemplo, haver negros nas telenovelas se esses são sempre representados como empregados domésticos, passistas de escola de samba, traficantes e escravos? O mais importante nisso tudo é que a autora, Glória Perez, conseguiu oferecer aos personagens uma representatividade positiva e livre de estereótipos. O travesti não foi apresentado como uma pessoa que se prostitui ou vive de maneira promíscua como vemos em várias outras produções. Ele não era garoto de programa e sim um cidadão com um emprego formal como qualquer outro. Todos nós sabemos a importância de uma representatividade positiva, ter onde se espelhar às vezes é o que falta para muitas pessoas, sobretudo as que vivem em condições desiguais socialmente.

Glória Perez sempre procurou em suas produções abordar temas que a sociedade considera polêmico ou que prefere deixar subentendido, principalmente no que tange o universo feminino (bem diferente de outros autores da emissora). Isso já fica claro com sua primeira produção de sucesso, “Barriga de aluguel” (1990) onde a trama gira em torno de  um casal que já tentou de tudo para ter um filho, mas sem sucesso, decidem contratar uma barriga de aluguel, Clara (Cláudia Abreu), moça pobre que aceita 30 mil dólares para carregar o bebê do casal. A discussão surge quando Clara decide que quer ficar com a criança, gerando diversos conflitos morais e legais. Já outra produção da autora, a novela “Salve Jorge” (2012) abordava o drama de mulheres vítimas de tráfico sexual. Usar como meio de discussão e compreensão social a televisão sobretudo as telenovelas, que são um enorme fruto do imaginário popular é inteligente, lindo e desafiador.

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Glória Perez em entrevista ao site Huffpost Brasil



Só esperamos que o entusiasmo por questões LGBT não seja moda ou um trunfo de audiência. Se a causa está em evidência hoje é porque muitas batalhas ocorreram, porque muitos grupos de apoio foram à luta por direitos igualitários, porque muitas Dandaras dos Santos  já foram mortas simplesmente por serem quem são e tudo isso vale mais do que mil páginas de folhetins.

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